segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Memórias

Um gato se rebatia no asfalto. As patas feridas apenas se balançavam de um lado para o outro sem mover o corpo esmagado do lugar. Seven passava despercebido na TV. O gosto do vinho impregnava a garganta e amarrava a boca, enquanto os corpos semi-conscientes caídos no sofá eram pequenos suspiros cansados, nada mais. Para além dos pequenos grunhidos que o sono produz, o pouco de consciência que ainda se manifestava era apenas vontade. Uma vontade ignorante e silenciosa. Nada falava. Podia-se, porém, quase ouvir um pequeno desejo no braço dormente que não ousava se mexer. Nas mãos que se entrelaçavam distraídas pela mistura dos cheiros de coco e de colônia. Um gato se rebatia no asfalto. Ele também, de consciência só tinha a vontade. De sair dali, de se mover pra qualquer lugar. De se permitir sentir a dor do que havia machucado. Mas o asfalto não parava. Sombras, rodas e roncos o atravessavam rapidamente de todos os lados, como se aquilo fosse toda a vida. Ouviu-se um tiro. Na TV se encaravam policial e bandido e uma espécie de aconchego se espalhava pela sala. Como se todas as peças estivessem encaixadas em seu devido lugar temporário. Como se o vinho finalmente pertencesse. Nada era necessário além daquele pequeno suspiro ou da mão que deslisava a outra casualmente pela seda. Como se isso tudo, também, fosse a vida toda. Ainda assim, alguma coisa ali mesmo se rebatia. Um acender da memória. A verdade de relance. Distorcida. 
Ali, naquele canto escuro, alguma coisa balançava as patas sem propósito, sabendo que nada importava tanto na vida.

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